Uma equipe de pesquisadores do Instituto Butantan, em conjunto com a Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres (PREVIR), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), está monitorando aves silvestres aquáticas em diferentes pontos de represa e do litoral do estado de São Paulo, em uma busca ativa por amostras do vírus da gripe aviária H5N1 no estado.
A ação pretende incrementar o monitoramento de aves silvestres no litoral brasileiro já feito pela Rede, em uma tentativa de descobrir as rotas migratórias que podem estar trazendo diferentes linhagens da influenza aviária ao Brasil.
“Já fazíamos o monitoramento de patógenos e ectoparasitas em aves desde 2016, quando criamos o Observatório de Aves do Instituto Butantan. Inclusive, durante a pandemia, monitoramos e coletamos amostras de coronavírus em morcegos e em aves, em localidades da Amazonia e da Mata Atlântica. Com a emergência sanitária, a Rede nos pediu para focarmos as coletas em aves silvestres migratórias associadas a ambientes aquáticos”, conta a pesquisadora e diretora do Museu Biológico do Butantan, Erika Hingst-Zaher, coordenadora do núcleo que faz o monitoramento no Instituto.
Patos, marrecos, gaivotas, maçaricos e trinta-réis, entre outras aves silvestres aquáticas, sobretudo das ordens Charadriiformes e Anseriformes, são consideradas hospedeiros naturais da influenza aviária de alta patogenicidade (H5N1), vírus que já matou milhões de animais pelo mundo. Desde o ano passado, quando surgiram os primeiros casos na América do Sul, provenientes de aves migratórias vindas dos Estados Unidos, os pesquisadores do MCTI e do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) ficaram em alerta.
Com o primeiro caso detectado no Brasil em maio de 2023, o país decretou emergência sanitária animal e fortaleceu medidas de contenção do vírus, entre as quais fortalecer o monitoramento em áreas de praia. O status foi prorrogado em novembro, embora o país seja considerado livre de influenza aviária pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), por não ter registrado caso entre aves comerciais.
Atualmente foram detectados 148 focos de H5N1 no país, segundo o MAPA, a maioria em aves silvestres.
Expedições
A equipe do Butantan é formada por seis pesquisadores, entre ornitólogos e zoólogos, que faz uma expedição por mês para diferentes pontos. A primeira delas ocorreu em setembro, que é quando se intensificam as migrações das aves do hemisfério norte para o sul, fugindo do outono rumo à primavera. Nesta expedição, foram coletadas amostras de secreções respiratórias de patos da represa Guarapiranga, com uso de suabe. As próximas coletas serão realizadas na região de Ilha Comprida e Cananéia, no litoral sul paulista.
“As aves migram do Alasca para a Patagônia, do norte da América do Norte para o sudeste do Brasil ou para a Mata Atlântica e de lá para a Amazônia. Ao fazerem esses movimentos, elas levam e trazem vírus, ou seja, podem ser vetores de patógenos”, explica Erika.
As amostras são entregues para virologistas da PREVIR que fazem as análises na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da Universidade de São Paulo (USP) em Pirassununga.
Em caso de alguma amostra dar positivo para o vírus – o que não ocorreu até agora – o MAPA, o MCTI e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) precisam ser notificados para isolar a área e analisar quem possivelmente teve contato com o animal, entre outras ações.
“Todas as amostras coletadas até agora foram negativas para o vírus de influenza aviária, incluindo os do subtipo H5N1. O projeto vem sendo financiado pela rede PREVIR, que deve continuar até novembro de 2024, final da vigência desse projeto”, informa a virologista Helena Lage, coordenadora da PREVIR e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).
Por que monitorar aves?
A rede PREVIR foi lançada em fevereiro de 2020 reunindo pesquisadores de todas as regiões do país, sob a coordenação dos virologistas Edison Durigon, do Instituto de Ciências Biológicas da USP (ICB/USP), Clarisse Arns, da Unicamp, e Helena Lage, da SBV. As coletas em aves aquáticas começaram em outubro de 2022, com o intuito de acompanhar a evolução das cepas do vírus de gripe aviária que circulam no país.
Segundo Helena Lage, a vigilância genômica é importante para identificação de marcadores moleculares de adaptação do vírus, que podem ser transmitidos das aves para os mamíferos e entre mamíferos com mais facilidade.
“Precisamos acompanhar a evolução desse vírus, sabendo exatamente o que está acontecendo dentro do nosso território e nas aves da fauna brasileira para identificar e conseguir agir rapidamente no caso de uma emergência, do surgimento de um novo vírus ou de um vírus mais adaptado para os mamíferos”, destaca a virologista.
Por isso, fazer o monitoramento nos próximos meses poderá ser uma oportunidade de entender se já há uma rota migratória ocorrendo no Brasil vinda do hemisfério norte.
“A gente entende a importância de fazer esse monitoramento, especialmente nesse período de dezembro até fevereiro, quando o número de casos positivos deve aumentar, com uma ressalva que são dados obtidos no hemisfério norte”, afirma.
Alerta
Helena lembra que já foram detectados casos positivos do vírus da influenza aviária tipo H5N1 em leões marinhos no Brasil, o que indica mudanças do vírus circulante. “Isso é um alerta grande porque demonstra que o vírus tem alguns marcadores de adaptação para os mamíferos, o que aumenta então a preocupação ou a facilidade desse vírus de infectar outras espécies de mamíferos, incluindo as pessoas”.
Apesar disso, a virologista salienta que os casos de H5N1 já detectados em humanos no mundo – nenhum deles no Brasil – ocorreram em pessoas que tiveram contato direto com animais positivos e que a infecção em pessoas, embora ocorra, é considerada rara.
“A Organização Mundial de Saúde considera baixa a possibilidade de uma pandemia pela influenza viária H5N1, de acordo com os elementos que temos agora. Mas, como ele é um vírus que tem mecanismo de evolução, e com isso emergências de variantes muito rápidas, precisamos sempre acompanhar sua evolução”, conclui.
Reportagem: Camila Neumam
Foto: Acervo Erika Hingst-Zaher
Matéria – Instituto Butantan