Newsvet

Nova ferramenta computacional facilita análises químicas para proteção do ecossistema marinho

A moderna química de produtos naturais é baseada em métodos de análise que geram quantidades enormes de dados, como é o caso da espectrometria de massas – técnica analítica que detecta moléculas de interesse e mede sua massa, auxiliando na caracterização da estrutura química. Geralmente, os cientistas, focados em responder a uma pergunta específica do seu projeto, utilizam apenas uma pequena fração dessas informações, enquanto o restante dos dados – que poderiam ser usados em inúmeras outras análises e pesquisas – ficam inutilizados.

Um grupo de pesquisa internacional produziu um software que promete trazer mais eficiência às pesquisas que utilizam a espectrometria de massas e a metabolômica – estudo dos produtos do metabolismo de seres vivos –  como suas principais ferramentas de análise. Batizada de Mass Spectrometry Query Language (MassQL), a ferramenta de código aberto permite que um conjunto expressivo de padrões de massas das moléculas sejam analisados a partir de dados brutos.

A concepção da ferramenta contou com a colaboração de Anelize Bauermeister, professora do Laboratório de Ecologia Química de Microrganismos e Inovação (Lequim) do Instituto de Química (IQ) da USP.  Anelize estuda o processo de branqueamento de corais, fenômeno que acontece quando os recifes de corais sofrem algum tipo de estresse, como o aumento de temperatura dos oceanos, e expulsam as zooxantelas – microalgas que vivem em sua superfície e fornecem boa parte dos nutrientes necessários para a sua sobrevivência. 

Neste contexto, seu grupo de pesquisa pretende aplicar a Mass Spectrometry Query Language para analisar o metaboloma dos corais e de seus microrganismos associados, aprofundar a compreensão sobre as interações entre estes indivíduos e ajudar na formulação de estratégias de prevenção ou remediação de danos. O objetivo é proteger o ecossistema marinho das crescentes ameaças ambientais.

De acordo com Anelize, a MassQL fornece meios para que pesquisadores de laboratórios diferentes, com equipamentos distintos, comparem seus dados em busca de informações relevantes sobre os perfis químicos das amostras analisadas.

“Eu posso acessar o banco de dados e analisar amostras de outras pessoas, de outros lugares do mundo, amostras que eu não teria acesso aqui do meu laboratório. Eu posso comparar um coral do litoral de São Paulo com o coral lá da Austrália”, exemplifica a pesquisadora.  Colaboração

A ideia para o desenvolvimento desta nova ferramenta surgiu em 2019, quando Anelize realizava seu pós-doutorado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de San Diego (Skaggs School of Pharmacy and Pharmaceutical Sciences – UCSD), na California – EUA. 

Em sua pesquisa sobre a metabolômica de organismos marinhos, através da espectrometria de massas, a pesquisadora viu a necessidade de buscar por padrões estruturais que representassem classes específicas de compostos. Seu objetivo era comparar o perfil químico de bactérias coletadas na areia da praia e no fundo do mar, buscando compreender diferenças e semelhanças provocadas pelo ambiente. Mas, em meio a uma enorme quantidade de dados adquiridos, a pesquisadora se deparou com uma importante limitação: “Não existia um software que me permitisse buscar, especificamente, por funções químicas. Eu só conseguiria ter acesso a essas informações através de códigos complexos de programação”.

A cientista, então, levou suas queixas aos colegas da área de bioinformática – uma combinação entre biologia, computação, matemática e estatística – que, liderados pelo pesquisador Mingxun Wang, do Departamento de Ciência da Computação da UCSD, passaram a desenvolver uma nova ferramenta computacional para auxiliar na mineração de dados, a MassQL. A plataforma fornece bancos de dados espectrais – informações adquiridas através da espectrometria de massas e compartilhadas de modo público por pesquisadores – e de códigos computacionais – que são os comandos utilizados nas buscas por padrões de massas – possibilitando a pesquisa por informações específicas. Estas funcionalidades foram desenvolvidas e aprimoradas com base nas experiências prévias, necessidades e dificuldades levantadas por Anelize e outros colegas que desenvolvem suas pesquisas utilizando a metabolômica.

Bom para o meio ambiente

Outra vantagem do software é que ele permite a reanálise de dados previamente adquiridos, porém subutilizados. O método poupa o meio ambiente ao evitar, por exemplo, a coleta de mais amostras de corais do seu hábitat natural, além do tempo dos pesquisadores, que podem focar em extrair informações relevantes de bancos de dados disponíveis publicamente. “Eu posso revisitar esses dados usando o MassQL. É muito mais sustentável para o ambiente e para as pessoas também”, diz a pesquisadora.

Um artigo com os detalhes da concepção da ferramenta foi publicado na Nature Methods.

Mais informações:  e-mail anelize@iq.usp.br, com Anelize Bauermeister

*Bolsista Mídia Ciência – Jornalismo Científico/Fapesp no LarFarMar

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

Texto: Eduarda Antunes Moreira*
Arte: Gustavo Radaelli**

Matéria – Jornal da USP