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Viajou para o ‘meio do mato’? Saiba que cuidados tomar para evitar infecções por carrapato

Viajar para locais pacatos, onde a fauna e a flora são dominantes, é escolha de muita gente que mora em grandes cidades. No entanto, junto com os prazeres e descanso que vêm destes passeios, também podem surgir pequenos aracnídeos responsáveis por doenças perigosas, como a febre maculosa e a doença de Lyme: os carrapatos.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, houve 370 casos de febre maculosa no Brasil e 71 óbitos pela doença em 2023. Até 11 de março deste ano, sete casos da enfermidade foram observados no país. No caso da doença de Lyme, as informações são mais escassas, já que a condição é rara no Brasil.

Segundo o Guia de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Ministério da Saúde, a doença de Lyme é mais comum na América do Norte, na Ásia e na Europa. Em 2020, o cantor Justin Bieber revelou ao público que havia sido infectado pela doença.

— O ideal é iniciar tratamento precoce para ambas doenças para prevenir as complicações que sempre são graves — explica Alan Ost, médico especialista em dermatologia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e pós-graduado pela Universidade de Michigan, nos EUA.

Transmissão

De acordo com um estudo publicado pelo Ministério da Saúde em 2022, as únicas doenças com ocorrência no Brasil são a febre maculosa e a doença de Lyme símile brasileira — ou síndrome de Baggio-Yoshinari. Entre outras enfermidades que podem ser transmitidas por carrapatos, mas não têm casos conhecidos no país, estão a febre hemorrágica da Crimeia-Congo e as chamadas febres recorrentes.

A transmissão da febre maculosa e da doença de Lyme ocorre da mesma forma: o carrapato carrega o parasita responsável pelas enfermidades e, a partir da picada e fixação — o que pode levar de quatro a seis horas (febre maculosa) ou até 24 horas (doença de Lyme) —, transmite-o para a pessoa, que se tornará a nova hospedeira.

Apesar de ambas serem passadas pelo mesmo animal, as duas doenças são levadas por espécies diferentes do carrapato, além de serem causadas por bactérias diferentes.

O estudo aponta que são conhecidas cerca de 900 espécies de carrapatos ao redor do mundo, mas nem todas transmitem doenças para os humanos. No Brasil, três espécies causam a febre maculosa: Amblyomma sculptum — predominante na região Sudeste —, Amblyomma aureolatum — predominante em São Paulo — e Amblyomma ovale — predominante em áreas de Mata Atlântica nas Regiões Sul, Sudeste e Nordeste, que acarretam em uma versão mais branda da doença.

As duas primeiras espécies são responsáveis por carregar a Rickettsia rickettsii — agente etiológico mais comum da febre maculosa. O Amblyomma ovale transmite a Rickettsia parkeri, bactéria que também pode transmitir a doença.

Já os carrapatos do gênero Ixodes são os grandes transmissores da Borrelia burgdorferi, principal bactéria causadora da doença de Lyme, na América do Norte. No entanto, segundo um estudo publicado pelo laboratório de Investigação em Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em 2010, estes carrapatos não foram encontrados nas principais áreas de risco da doença no Brasil.

Outra pesquisa publicada por pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), pela Universidade Paranaense (Unipar) e pela Universidade Nova de Lisboa evidencia que a bactéria pode ser encontrada em carrapatos dos gêneros Amblyomma, Rhipicephalus e Dermacentor no Brasil.

Sintomas e diagnóstico

Em relação à febre maculosa, os primeiros sintomas são inicialmente inespecíficos incluindo a febre, dor de cabeça, mal-estar generalizado, náuseas e vômitos.

— O grande desafio é o diagnóstico rápido porque os sintomas são muito amplos — aponta Ost. O Ministério da Saúde indica que os indícios da doença são parecidos com o de outras, como a dengue, malária, meningite e leptospirose, o que resulta em um diagnóstico ainda mais difícil.

A dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Patricia Ormiga, acrescenta que um dos principais exames para a doença, chamado de Imunofluorescência Indireta, pode ser negativo durante os primeiros dias da doença, uma vez que os anticorpos podem demorar a aparecer.

Com a evolução da febre maculosa, é normal o aparecimento de manchas vermelhas na pele. Segundo Ormiga, estas lesões são causadas pela vasculite, que é desencadeada quando a bactéria causadora da doença quando entra na corrente sanguínea.

— Vale lembrar que quadros de urticária podem ocorrer em indivíduos previamente sensibilizados — disse a médica.

Sintomas gerais da febre maculosa:

• Febre
• Dor de cabeça intensa
• Náuseas e vômitos
• Diarreia e dor abdominal
• Dor muscular constante
• Inchaço e vermelhidão nas palmas das mãos e sola dos pés
• Gangrena nos dedos e orelhas
• Paralisia dos membros que inicia nas pernas e vai subindo até os pulmões causando paragem respiratória

Já para a doença de Lyme, os principais sintomas são:

• Fadiga
• Dor no corpo
• Dor de cabeça
• Protuberância avermelhada no local da picada
• Febre
• Para infecções que levem mais semanas ou meses para serem tratadas, os seguintes sintomas podem aparecer:

• Movimentos musculares dificultados
• Fraqueza dos membros
• Dores nas articulações
• Problemas neurológicos, como meningite, encefalite e a paralisia temporária de uma parte do rosto
• Dormência no corpo

Tratamento

Por serem infectadas por bactérias, ambas as doenças são tratadas com antibióticos. O Ministério da Saúde indica que o tratamento contra a febre maculosa deve ser iniciado assim que existir a suspeita clínica — mesmo sem os resultados laboratoriais —, por conta da gravidade da doença se não tratada precocemente.

Em casos mais graves, o infectado pode ser hospitalizado e, caso a enfermidade não seja tratada, pode levar a morte. O tratamento contra a doença está disponível pelo SUS.

No caso da doença de Lyme símile brasileira, mesmo com o tratamento, alguns sintomas podem se tornar crônicos, o que acaba a diferenciando da versão mais comum da enfermidade.

Cuidados para evitar o contato com carrapatos

Caso você vá desbravar a natureza em uma viagem ou vive em um local onde os carrapatos são constantes, Ormiga sugere o uso de calças compridas, meias e botas e, se possível, que a barra das calças estejam dentro do sapato utilizado.

Além disso, ela aponta que o uso de roupas claras pode ajudar a identificar os animais.

— E examinar o corpo periodicamente pode ser uma boa estratégia para evitar a contaminação, pois são necessárias ao menos 4 horas de contato com o carrapato para a transmissão da doença.

Caso você encontre um carrapato na pele, Ormiga indica que os animais devem ser removidos de maneira cuidadosa.

— Pode ser utilizada uma pinça delicada para remover os restos do carrapato grudados na pele — afirma. O site do Ministério da Saúde recomenda que não se aperte ou esmague o carrapato, mas sim que se puxe com cuidado e firmeza. O órgão também indica que você lave a área da mordida com álcool ou sabão e água.

Ost deixa claro que, apesar de todos os cuidados tomados, é importante ir a um médico assim que suspeitar que possa ter sido infectado.

Surto em Campinas

Em junho do ano passado, quatro pessoas morreram em decorrência da febre maculosa, em eventos na Fazenda Santa Margarida, na cidade de Campinas, em São Paulo. Entre as mortes, estava uma adolescente de 16 anos.

Além dos óbitos, diversas pessoas ficaram sob observação por conta de suspeitas da doença. Dados da Secretaria de Saúde de Campinas divulgados no mês passado mostram que o número total de infectados na cidade passou para 20 em 2023, com sete mortes ao total.

Matéria – O Globo, Por Isa Morena Vista* — Rio de Janeiro